Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência |
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CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 129.310 - GO (2013⁄0257233-4)
RELATOR | : | MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA |
SUSCITANTE | : | JUÍZO DA VARA DO TRABALHO DE VALPARAÍSO DE GOIÁS - GO |
SUSCITADO | : | JUÍZO DE DIREITO DE SANTO ANTONIO DO DESCOBERTO - GO |
INTERES. | : | RODRIGO MOSCARDI |
ADVOGADO | : | WALDEYLSON MENDES CORDEIRO DA SILVA |
INTERES. | : | CAMARA DE JUSTICA ARBITRAL E MEDIACAO DO MERCOSUL - CJAM |
ADVOGADA | : | TEREZINHA SOARES BONFIM |
EMENTA
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA DO TRABALHO. ARBITRAGEM. RELAÇÃO ENTRE ÁRBITROS E CÂMARA ARBITRAL. NATUREZA CIVIL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.
1. Consoante a jurisprudência sedimentada no Superior Tribunal de Justiça, a competência em razão da matéria se define a partir da natureza jurídica da controvérsia, que se afere da análise do pedido e da causa de pedir veiculados na inicial.
2. Ação proposta por ex-árbitro em que pleiteia anulação do ato de sua exoneração, assim como a readmissão aos quadros de câmara arbitral.
3. A remuneração do árbitro, ou dos árbitros, compete às partes que se valeram da arbitragem e poderá estar contida no próprio compromisso arbitral, se for o caso. Todavia, se o árbitro integrar uma câmara arbitral, nada impede que haja convenção determinando que os honorários, custas e despesas sejam pagos diretamente à instituição privada, a qual, por sua vez, repassará o valor devido aos seus árbitros.
4. Não existe, igualmente, nenhum óbice legal para que os serviços prestados pelos árbitros sejam remunerados por salário, mediante observância da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
5. Hipótese em que os árbitros são remunerados diretamente pelas partes, não havendo previsão de pagamento de salário, na forma regimental, tendo o autor da demanda firmado contrato de franquia com tribunal arbitral, adquirido as respectivas cotas e participado de curso de arbitragem, determinando a existência de uma relação jurídica de natureza civil.
6. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito de Santo Antônio do Descoberto⁄GO, o suscitado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Seção, por unanimidade, conhecer do conflito de competência e declarar competente o Juízo de Direito de Santo Antônio do Descoberto⁄GO, o suscitado. Os Srs. Ministros Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 13 de maio de 2015(Data do Julgamento)
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva - Relator
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 129.310 - GO (2013⁄0257233-4)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):
Trata-se de conflito negativo de competência instaurado entre o JUÍZO DA VARA DO TRABALHO DE VALPARAÍSO DE GOIÁS⁄GO, suscitante, e o JUÍZO DE DIREITO DE SANTO ANTÔNIO DO DESCOBERTO⁄GO, suscitado.
Noticiam os autos que RODRIGO MOSCARDI propôs ação ordinária cominatória, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, contra a CÂMARA DE JUSTIÇA ARBITRAL E MEDIAÇÃO DO MERCOSUL - CJAM, em que pleiteia que seja anulado o ato de sua exoneração e determinada a readmissão ao quadro de árbitros.
A Juíza de Direito de Santo Antônio do Descoberto⁄GO, a quem foi originalmente distribuído o feito, declinou da competência asseverando que a competência da Justiça do Trabalho encontra-se ampliada, tendo em vista a novel redação do art. 114, incisos I e IX, da Constituição Federal. Aduziu, ainda, que a relação existente entre as partes litigantes é de natureza trabalhista.
Recebendo os autos, o Juízo da Vara do Trabalho de Valparaíso de Goiás⁄GO suscitou o presente conflito ao fundamento de que "no caso em apreço não é de trabalho a relação que se forma entre o árbitro e a câmara de conciliação e arbitragem onde atua, já que o vínculo entre as partes é de natureza civil" (fl. 192).
Em parecer acostado às fls. 202⁄203, o Ministério Público Federal opinou pela declaração de competência do Juízo de Direito de Santo Antônio do Descoberto-GO, o suscitado.
É o relatório.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 129.310 - GO (2013⁄0257233-4)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):
A controvérsia relaciona-se à definição do juízo competente para processar e julgar ação proposta por Rodrigo Moscardi, ex-árbitro, na qual pleiteia anulação do ato de sua exoneração bem como a readmissão aos quadros da Câmara de Justiça Arbitral e Mediação do Mercosul - CJAM, que detém o nome fantasia de Tribunal de Justiça Arbitral e Mediação do Mercosul - TJAMME (fl. 134).
Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, a competência em razão da matéria se define a partir da natureza jurídica da lide, que se afere da análise do pedido e da causa de pedir veiculados na exordial.
Nesse sentido:
"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL E TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONTROVÉRSIA DE NATUREZA ACIDENTÁRIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL EM AMBAS AS INSTÂNCIAS. SUMULA N. 501⁄STF.
1. A definição da competência em razão da matéria rege-se pela natureza jurídica da questão controvertida, a qual é aferida pela análise do pedido e da causa de pedir. Precedentes.
(...)"
(CC 103.937⁄SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28⁄10⁄2009, DJe de 26⁄11⁄2009).
"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA TRABALHISTA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE SUPOSTA IMPERÍCIA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA CONTRATUAL DO VÍNCULO.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.
1. Ação de perdas e danos por suposta imperícia verificada nos serviços prestados pelo então patrono do autor em anterior ação de indenização por acidente de trabalho.
2. A Segunda Seção desta Corte tem entendimento pacificado no sentido de que o pedido e a causa de pedir definem a natureza da lide, não se verificando, na espécie, discussão sobre vínculo empregatício ou recebimento de verbas trabalhistas, do que decorre a competência da Justiça Comum para processar e julgar a demanda.
Precedentes.
3. Conflito conhecido para declarar competente o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, suscitado."
(CC 70.077⁄MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12⁄9⁄2007, DJ de 24⁄9⁄2007 - grifou-se).
Assim, a solução do presente conflito demanda ponderações a respeito da natureza da relação jurídica existente entre o órgão arbitral e os árbitros que compõem seus quadros, se trabalhista ou de caráter eminentemente civil.
Cabe ressaltar que a arbitragem constitui alternativa à atividade jurisdicional estatal por meio da qual, em convenção privada, celebrada entre pessoas capazes de contratar e que se encontram na livre disposição de seus bens, há escolha de terceira pessoa, o árbitro, a quem outorgam poderes para decidir o litígio.
A respeito da arbitragem, colhem-se os ensinamentos de José Cretella Júnior (Da Arbitragem e seu conceito categorial, in Revista de Informação Legislativa, v. 25, n. 98, abr.⁄jun. Brasília: Senado Federal, 1988, pág. 128), que a define como
"(...)
o sistema especial de julgamento, com procedimento, técnica e princípios informativos especiais e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este subtraído, mediante o qual duas ou mais pessoas físicas, ou jurídicas, de direito privado ou de direito público, em conflito de interesses, escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhes as pendências, anuindo os litigantes em aceitar a decisão proferida".
O tribunal arbitral é uma instituição privada, sem fins lucrativos. Ao dirimir o conflito, o árbitro ou o colegiado de árbitros profere a sentença arbitral, que produz entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos daquelas provenientes dos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo judicial, nos termos do art. 475-N, inciso IV, do Código de Processo Civil.
A Lei nº 9.307⁄1996, que dispõe sobre a arbitragem, não tratou diretamente da natureza jurídica da relação entre o tribunal arbitral e seus integrantes. Porém, é possível extrair de seu texto a compreensão segundo a qual a remuneração dos árbitros compete às partes que se valeram desse meio de solução de conflitos e poderá estar contida no próprio compromisso arbitral, consoante se verifica abaixo:
"(...)
Art. 11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter:
(...)
IV - a fixação dos honorários do árbitro, ou dos árbitros.
Parágrafo único. Fixando as partes os honorários do árbitro, ou dos árbitros, no compromisso arbitral, este constituirá título executivo extrajudicial; não havendo tal estipulação, o árbitro requererá ao órgão do Poder Judiciário que seria competente para julgar, originariamente, a causa que os fixe por sentença.
(...)
Art. 27. A sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver."
Desse modo, a regra é a remuneração do árbitro diretamente pelas partes litigantes. Todavia, se o árbitro integrar uma câmara arbitral, nada impede que haja convenção determinando que os honorários, custas e despesas sejam pagos diretamente à instituição privada, a qual, por sua vez, repassará o valor devido aos seus árbitros.
Além disso, não existe, igualmente, nenhum óbice legal para que os serviços prestados pelos árbitros sejam remunerados por salário, mediante observância da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Na verdade, nessas situações, a retribuição depende da forma como organizada a câmara arbitral.
No caso em exame, dispõe o Regimento Interno da Câmara de Justiça Arbitral e Mediação do Mercosul - CJAM:
"(...)
Art. 24. Os integrantes do corpo permanente de Árbitros não receberam da CJAM remuneração de qualquer espécie, constituindo sua remuneração em honorários pagos pelas partes, previstos de acordo com a Tabela de Custas fornecidas pela CJAM." (fl. 82 - grifou-se)
Assim, na presente hipótese, os árbitros são, na forma regimental, remunerados diretamente pelas partes, não havendo previsão de pagamento de salário ou qualquer tipo de intervenção da câmara arbitral.
De outra parte, é certo que com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45⁄2004, que deu nova redação ao art. 114 da Constituição Federal, a competência material da Justiça do Trabalho restou alterada de modo albergar, nos termos do inciso IX, "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei".
Todavia, quando configurada uma relação de natureza eminentemente civil como nos autos, em que a instituição à qual se encontra vinculado o profissional não lhe remunera diretamente, não havendo ainda falar em subordinação e habitualidade, requisitos do art. 3º da CLT, o texto constitucional não determina a competência da Justiça do Trabalho para o processo e julgamento da lide.
Com efeito, os autos revelam que o ex-árbitro firmou contrato de franquia, adquiriu as respectivas cotas e participou de curso de arbitragem.
Essas circunstâncias demonstram a existência de relação jurídica de natureza eminentemente civil, conforme bem exposto pelo juízo suscitante:
"(...)
Sobre a necessidade de aquisição de cota de franquia para o exercício da atividade, o autor não negou os fatos, tanto que sustentou em sede de impugnação que os valores foram quitados.
O artigo 2o da Lei 8.955⁄94 dispõe que a franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.
A empresa ré tem sede na cidade de Santo Antônio do Descoberto⁄GO (cláusula 1ª, fl. 133). Pelo documento de designação de fl. 63, infere-se que o autor foi autorizado a atuar na 17ª turma do TJAMME⁄PE, que tem sede no Estado de Pernambuco (fl. 77). São típicos do contrato de franquia tanto os atos de treinamentos - no caso sub judice o curso de arbitragem (fls. 66⁄69) - quanto a fiscalização em relação aos serviços prestados.
Desse modo, à vista dos elementos trazidos pelas partes aos autos, conclui-se que a relação estabelecida entre as partes é tipicamente comercial, pactuada de forma livre e espontânea pelo autor, configurando um verdadeiro ou assemelhado contrato de franquia. A franquia não se confunde com terceirização de atividades" (fls. 191⁄192 - grifos no original).
Corrobora esse entendimento o parecer do Ministério Público Federal, da lavra do eminente Subprocurador-Geral da Repúblcia Durval Tadeu Guimarães:
"(...)
Razão assiste ao Juízo suscitante. A demanda revela lide de natureza civil, porque calcada no contrato de franquia entre o autor e a Câmara de Justiça Arbitrai e Mediação do Mercosul, aduzindo a ré em sua contestação de fls. 119⁄131, que o negócio entabulado não se convalidou por culpa exclusiva do Reclamante, que não pagou pela cota da franquia que tinha interesse em adquirir, não restou à Reclamada outra alternativa que não fosse exonerá-lo do quadro de árbitros de sua empresa (fls. 128). Assim, não restando caracterizada relação de trabalho, deve ser afastada a competência da Justiça Trabalhista para dirimir o litígio" (fl. 203).
Desse modo, diante da ausência de qualquer relação de trabalho, sobressai a competência da Justiça estadual para processar e julgar a causa.
Ante o exposto, conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito de Santo Antônio do Descoberto⁄GO, suscitado.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA SEÇÃO
Número Registro: 2013⁄0257233-4 | PROCESSO ELETRÔNICO |
CC 129.310 ⁄ GO |
Números Origem: 00011084320135180241 11084320135180241 201300274160
EM MESA | JULGADO: 13⁄05⁄2015 |
Relator
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. SADY D´ASSUMPÇÃO TORRES FILHO
Secretária
Bela. ANA ELISA DE ALMEIDA KIRJNER
AUTUAÇÃO
SUSCITANTE | : | JUÍZO DA VARA DO TRABALHO DE VALPARAÍSO DE GOIÁS - GO |
SUSCITADO | : | JUÍZO DE DIREITO DE SANTO ANTONIO DO DESCOBERTO - GO |
INTERES. | : | RODRIGO MOSCARDI |
ADVOGADO | : | WALDEYLSON MENDES CORDEIRO DA SILVA |
INTERES. | : | CAMARA DE JUSTICA ARBITRAL E MEDIACAO DO MERCOSUL - CJAM |
ADVOGADA | : | TEREZINHA SOARES BONFIM |
ASSUNTO: DIREITO CIVIL
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Seção, por unanimidade, conheceu do conflito de competência e declarou competente o Juízo de Direito de Santo Antônio do Descoberto⁄GO, o suscitado.
Os Srs. Ministros Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Documento: 1407486 | Inteiro Teor do Acórdão |
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